sexta-feira, 20 de março de 2009

Bar ruim é lindo bicho!



Bar ruim é lindo, bicho

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.

Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

- Ô Betão, traz mais uma pra a gente - eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?.
- Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?


De Antonio Prata

Texto integrante do volume As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Rashomon, Akira Kurosawa (1950)



O que é a verdade?
Ela existe absoluta ou representa uma visão particular?

Crimes hediondos: estupro, assassinato, homicídio passional no Japão do século 12.

Um marido viaja com a esposa por uma floresta e é surpreendido por um famoso bandido. O crime acontece.

O acontecimento vai a julgamento num tribunal (que não é visto)sem paredes, advogados, juízes.
Não se ouve as perguntas, apenas respostas. Talvez a metáfora do próprio mundo.
Os participantes contam suas versões para nós, espectadores.

Os depoimentos do mesmo crime são diferentes, as vítimas mudam, os motivos são outros, as verdades completamente difusas.

Assassinato, suicídio, crime passional?
Estupro, paixão, entrega?
Medo, coragem, resignação?
Orgulho, preconceito?

Uma testemunha, o lenhador, prefere não se envolver. Não fala ao tribunal dos homens. Mas conta sua versão a um sacerdote, num templo destruído.

É possível perder a fé?
É possível reencontrá-la?

Um filmaço de reflexão, filosófico, de Akira Kurosawa.

E você, é o que parece ser?

terça-feira, 17 de março de 2009

Ornette Coleman, David Cronenberg e William Burroughs



Ao som de Ornette Coleman, David Cronenberg dirige Naked Luch (Mistérios e Paixões), baseado na obra de William S. Burroughs.

Surrealismo puro, onde um escritor viciado em inseticida busca a cura com outra droga: o pó de uma centopéia brasileira, receitada por um médico.

Ele passa a conversar com baratas travestidas em máquinas de escrever e vive realidades paralelas cheias de absurdos, numa alucinação que beira a paranóia.

Se você curte os filmes de David Lynch e a obra literária de Burroughs, aqui é uma grade pedida.

Caso não conheça esses ai de cima, vá preparado para encarar atores contracenando com insetos, muitas metáforas, sexualidade sem preconceitos e um filme daqueles que não são tão fáceis de digerir.

Talvez Burroughts não seja tão conhecido na mídia brasileira, mas andando por aí, quem sabe você já tenha trombado nas bancas de jornais e livrarias com alguma obra de Jack Kerouac. Tem saído várias edições de bolso com os maiores sucessos dele, principalmente o "On the Road". Burroughs foi além de amigo uma grande inspiração para Kerouac.

Vale a pena deixar uns minutos aqui, sem veneno algum.

Aperte o play e vá até Annexia num free jazz alucinante. Só não esqueça de marcar bem o caminho de volta pra não se perder por aí.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Persona, Ingmar Bergman



Eu tentava escrever sobre Persona de Ingmar Bergman. Mas é complicado...complicado pacas. Vai uma linha ou outra, então, só pra puxar assunto...rs

Jean-Luc Godard comentou sobre o trabalho do diretor sueco: "O cinema não é um ofício. É uma arte".

Filmaço. Fundamental.

Filme dentro do filme - literalmente. Melhor: "cinemalmente".
Máscara atrás de máscara.

A história basicamente gira em torno da personificação de uma enfermeira e uma atriz que deixou de falar.

E falar é inventar?
Calar é construir uma máscara?
É proteger-se da realidade?

Algumas das muitas perguntas.

Muitos filmes que vieram depois usaram recursos de Persona: A luz simbólica na personalidade de Marlon Brando em Apocalypse Now; trechos de "imagens polêmicas" no projetor de Clube da Luta, etc.

E bateu vontade de ver o enigma de novo.

Cara, que filme...

Amacord , Fellini



Amacord
Io me ricordo

Um pavão que canta e abre suas asas e mostra suas penas em plena nevasca;
Professores que se encantam com seu próprio encanto;
Um almoço tipicamente italiano de uma família tipicamente italiana;
Um acordeonista cego que toca a bela trilha do filme (de Nino Rota) para um cachorro;
Uma freira anã que pode o que ninguém pôde;
Um tio louco;
Um avô com problemas de gases;
As fantasias inocentes juvenis;
Padres curiosos da curiosidade proibida para padres;
Um narrador histórico que faz história.

Personagens e mais personagens de uma vida simples de um povoado simples de uma época não tão simples assim: a Itália recém fascista dos anos 30.

É uma comédia.
Repleta de caricaturas,
Banhada com poesia,
Como nossas lembranças.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Livro: "A arte de produzir efeito sem causa", Lourenço Mutarelli




"Ou o senhor entra ou o senhor sai. É perigoso deixar o portão aberto".

A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli
Engole-te.
Sem perceber-te passa o tempo.
Até o fim.
Não te larga.
E você não quer também
Deixá-la até lá.
O fim.
Qual é?

Júnior perde o emprego e o casamento.
Vai parar na casa do pai viúvo que o acolhe com o que pode. Dorme num sofá pequeno, velho, com cheiro de urina canina.
Um apartamento classe média baixa, onde vive também uma estudante de arte.
Toma café. Fuma cigarro. Come ovo.
Tenta assistir programas de fofocas na TV. Dorme.
Revê velhos tipos com novos olhos.
Cortina-se noutra rotina.
Enquanto a mente descortina outros palcos.
E passa a receber misteriosas encomendas.
E a relidade se contorce.

"Tudo o que existe tem nome. E o não existe também".

O livro é genial, do enredo aos diálogos. Misterioso, com personagens simples-elaborados e pitadas certeiras de humor e loucura.

A gente acompanha as ações, recordações e o desenvolvimento da "mudança da realidade" de Júnior, que passa a ver "as coisas" de outro modo, preenchidas de novos significados.

As pessoas convivem vivendo em mundos distintos.

Pessoas-réplicas, mal feitas de si mesmas.
Máscaras que se movimentam e se comunicam.

Ao ler "A arte de produzir efeito sem causa" nos aproximamos da idéia da linguagem na comunicação que o que queremos dizer não é exatamente o que falamos, mas que o outro entende daquilo que escuta.

As excelentes ilustrações fazem parte da história, continuam o texto, são parte dele.

E o livro é recheado de ótimas tiradas.

É impagável o momento em que Junior encontra um cara na padaria que compara nossa vida com o planeta do Pequeno Príncipe.

Agora, quando você resolve grifar e diagramar alguns trechos , apodera-se uma sensação maluca. Sério. Como uma possessão.

Eu sou o coisa?
Quem sou (é) ele?

Então faço a pausa por aqui mesmo.
É melhor garantir, vai saber.
Loucura pega.

*****
O livro é publicado pela Companhia das Letras

Achado 1 ( antes do 2 abaixo)



Fui separar alguns jornais para a cachorra que vive na minha casa ler.
Velhos.
Novos, para quem? Ela.

Certo que lê.
Às vezes anda pra lá e pra cá sobre eles.
Gira, roda,
Permanece.
Outras sai,
Como a passar por ali.
Passatempo.
De passagem.
Só pela passagem, só.
Só.

Achado 2 ( continuação do 1 acima )



O causo é que ao revirar as folhas antigas dos jornais para a cadela, um quadrado queda ao chão foi.

E era um aviso de uma marca de sapatos. Desses lembretes que vêm junto do que a gente troca pelo dinheiro.

Achei tão poético que resolvi transcrever para cá.

Tava escrita assim:

Os calçados são confeccionados em couro e camurça, cujas características são transparência e naturalidade. Estes artigos poderão apresentar manchas em contato prolongado com a luz e umidade. A palmilha deste produto também é produzida em couros naturais, metalizados e acamurçados, sujeitos a deformações motivadas pela transpiração. Isto ocorre devido as tonalidades e texturas próprias destas matérias primas. Estas diferenças não deverão ser acatadas como defeitos, por serem características previsíveis destes materiais.

Não é bacana?

quinta-feira, 12 de março de 2009

Morangos Silvestres, Ingmar Bergman, 1957



Quando é tarde para uma novo olhar da vida?

Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, é uma aula sobre a possibilidade da redenção.

O filme tem início com o protagonista, o médico Isak Borg ( vivido por Victor Sjöström) sentado no seu escritório contando o que ele é: um velho médico bem sucedido, rabujento, viúvo, que vive a solidão por consequência de como levou, viu e criticou a vida.

Borg vive um sonho extremamente simbólico: ruas desconhecidas numa cidade familiar. Uma carruagem desgovernada quebra um poste de luz, uma roda do veículo se desloca
perigosamente na sua direção, o movimento dos cavalos continua depois que a carga que carregavam cai:

Um caixão.

Dentro dele:

Ele mesmo.

Borg vê sua morte.

A partir daí, Bergman desnuda a transformação do homem.

Os medos, as experiências da infância; do casamento; as amarguras, tristezas, arrependimentos e esperanças passam a conviver com Borg em sonho e na realidade, durante uma viagem para Lund, acompanhado da nora Marianne para receber uma homenagem pelos seus trabalhos.

A poesia é a da vida.

Nua,

Crua,

E

Que não quer mais

Faltar

Amor.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Otto e Mezzo, Fellini



Arriscar.
Sem pretensão.
É por aí que o caminho abaixo segue, a qualquer lugar.

Otto e Mezzo é um filme que nasce para ser revisto.
De primeira, só o ponta pé inicial.
Assita, veja mais uma vez, em partes, por inteiro.

No filme, realidade, sonho e desejo são existências paralelas que convivem com os desafios criativos de um cineasta, Guido Anselmi, interpretado por Marcello Mastroianni.

Viajamos por mais de 120 minutos nas variadas dimensões subjetivas de Guido.
Muitas vezes não é fácil decifrar se estamos no sonho, numa recordação ou em alguma perspectiva da vontade dele.

A intelectualidade, o intelecto são alvos de ironia.

O filme parece indicar também a redenção pela beleza e as fagulhas incógnitas da felicidade que permitem você continuar, apesar do desesperero, da confusão.

*********

Se não bastasse, os diálogos convergem o filme para outras reflexões:

Um jornalista pergunta: "Falta de comunicação é um problema ou um pretexto?"

Outro escritor tagarela: "Já há coisas supérfulas demais no mundo, mais desordem é inútil".

*********

Claudia (Claudia Cardinale) é a musa de Guido, a inspiração que surge rodeada de uma aura que parece estar acima de todos os mundos. Mas onde ela está?
Numa das cenas, Claudia diz: "Leve-me daqui, esse lugar não me parece real".

Pois é.

Muito pra se escrever sobre.
Mas sobretudo para cada um ver o que daquilo sobra.

*******

Para chegar-se ao ponto reticente desse tópico, acredito que é mais honesto transcrever uma das reflexões de Guido, quando ele está com as mulheres de seu harém imaginário:

"Carla ia tocar sua harpa,
como toda a noite,
e seriamos todos felizes,
escondidos aqui,
longe do mundo,
vocês e eu".

...

terça-feira, 10 de março de 2009

Jean-Luc Godard, Le Mepris ( Desprezo)



Woody Allen deve ter mergulhado nesse filme, cheio de diálogos sobre relacionamento, dúvidas, desprezo e paranóias de um casal. Adicionando, é claro o terceiro poder: a possível e praticamente irremediável traição.

Le Mepris é outra tragédia grega que não se esconde: é totalmente exposta desde o início da narrativa, cheia de indicações ao pensamento grego e à Odisséia de Homero.

Mas as referências não param por aí: o filme tem o formato da tragédia. A tensão vai aumentando aos poucos, o medo, a insegurança seguida da violência. As desconfianças de marido e mulher crescem, o desprezo da beleza e da paixão, até atingir o limite final.

Assumir riscos.

Acasos.

Há também a linda fotografia da região de Capri, a participação especial do cineasta Fritz Lang (!), e mais além temos Brigitte Bardot.

Um caso a parte.

É Brigitte do começo ao fim em quase todos os ângulos possíveis :nua, em detalhe, iluminada de formas diferentes. Nudez em vermelho, azul, colorida, descolorada; de peruca, com cabelos soltos, presos, de cima, de baixo, tomando sol, de roupão, intelectualizada, confusa, mimada, decidida.

É a própria construção do mito.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Michelangelo Antonioni: "Blow Up" (Depois daquele beijo).



Madrugada cheia de simbolismos e da alienação em Londres dos anos 1960.

Michelangelo Antonioni no aparelho de DVD com "Blow Up" (Depois daquele beijo).

Mais uma escolha de trilhas inspiradas...dessa vez nas mãos musicais jazísticas de Herbie Hancock.

Não apenas: a banda The Yardbirds aparece tocando rock and roll durante algumas cenas em um show inusitado: o amplificador não funciona; o guitarrista fica enfurecido; o público é estático, com cara de cera até um músico quebrar o instrumento e tacar na platéia. Quem é que segura?

O protagonista do filme: um fotográfo estressado e reconhecido (David Hemmings) , cansado do trabalho com modelos e que acaba por descobrir um assassinato quando revela algumas fotos tiradas por ele durante um namoro de uma casal anônimo num parque.

A novidade é a chave da quebra de sua rotina: o fotográfo resolve investigar o crime por conta própria.

Em que momento um fato se torna importante pra você?

O recém investigador reconhece-se mais tarde novamente como fotógrafo, mas passa por novos caminhos: compra uma hélice de avião gigante numa loja de antiguidades; identifica-se com um velho rabugento que nega a realidade; instiga modelos oferecidas; reclama a liberdade, dribla o estresse com o próprio trabalho em forma de entretenimento, tirando fotografias pela cidade.

Entre um caso e um clique, um grupo de jovens mascarados, pintados e felizes aparece aqui e ali, pede dinheiro, grita e joga tênis numa quadra sem bola numa inspiração do que é real.

Sonho, imaginação ou paranóia?

sábado, 7 de março de 2009

O surrealismo em O Corpo que Cai


Kim Novak com Alfred Hitchcock


Apertei o play num dos grandes clássicos de Alfred Hitchcock, Vertigo - Um corpo que cai (1958).

O filme é delicioso pra viajar, chega a ser surreal. Pra mim o mais instigante foi entrar na hipnótica trilha sonora de Bernard Herrmann e abstrair na bela fotografia de Robert Burks.

Não sei até que ponto é cruel, mas o roteiro e a história foram se diluíndo nessa experiência.

Tudo bem, o filme aponta para outros eixos: como o pioneiro efeito de zoom e recuo da câmera para dar a sensação de vertigem; a participação de James Stewart e de Kim Novak, mas tudo isso foi caindo num redemoinho de sons e viajantes retratos.

Picante.

quinta-feira, 5 de março de 2009

o ser ermitão



O eremita volta as costas a este mundo; não quer ter nada a ver com ele.

Mas podemos fazer mais do que isso; podemos tentar recriá-lo, tentar construir um outro em vez dele, no qual os componentes mais insuportáveis são eliminados e substituídos por outros que correspondam aos nossos desejos.

Quem por desespero ou desafio parte por este caminho, por norma, não chegará muito longe; a realidade será demasiado forte para ele.

Torna-se louco e normalmente não encontra ninguém que o ajude a levar a cabo o seu delírio.

Diz-se contudo, que todos nós nos comportamos em alguns aspectos como paranóicos, substituindo pela satisfação de um desejo alguns aspectos do mundo que nos são insuportáveis transportando o nosso delírio para a realidade.

Quando um grande número de pessoas faz esta tentativa em conjunto e tenta obter a garantia de felicidade e protecção do sofrimento através de uma transformação ilusória da realidade, adquire um significado especial.

Também as religiões devem ser classificadas como delírios em massa deste género. Escusado será dizer que ninguém que participa num delírio o reconhece como tal.

Palavras de Freud, ele mesmo, o de nome Sigmund, no "A Civilização e os Seus Descontentamentos".

Dogville



Não traga a pipoca aqui, pode dar indigestão. Talvez alguns copos de água; vários, para durar pelo menos três horas.

Dogville é um filme duro, daqueles tipo "tapa na cara". Aponta sem trilha sonora nem deslocamento geográfico num cenário cru e imaginativo a crueldade, a animalidade humana escondidas entre os pequenos defeitos que todo mundo tem. Todos os personagens vivem para satisfazer suas necessidades e instintos.

É uma tragédia grega de final apocalíptico, que propõe boas horas de meditação para se abster do sentimento de revolta e indignação que o filme causa.

A narrativa caminha num movimento pendular entre o altruísmo humano e a espera da recompensa, do pagamento de qualquer ato. Do sentimento de vingança e de resignação.

Nicole Kidman está brilhante. O diretor Lars Von Trier faz as câmeras.

Sim, o ser o humano é arrogante. E vive em dúvidas, conflitos. Talvez o mais estrutural: o debate entre razão e emoção.

Instinto, sobrevivência e humanidade.

Depois das viagens e reflexões por Dogville, não esqueça de tomar um banho gelado pra refrescar.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Armadura



Já se nasce de armadura.
É só corpo.
De qual?
Às vezes ela se fortalece.
Outras vezes é abandonada.
E em algumas histórias ela toma vida própria.

Foto da formiga armadurada tirada na praia de Juquehy, fevereiro, 2009.